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30 junho 2013

Por que demorou pra atender?

O telefone toca no meio da noite.
Primeiro o toque se mistura a um sonho em andamento. Depois, o som se sobressai no silêncio. Quem será a esta hora? E que horas serão? Levanto correndo da cama enquanto acendo a luz do relógio na cabeceira. 2:38! Ai, quem será? Misturam-se suposições desencontradas. Morreu alguém da família, pode ser o vizinho do andar de cima reclamando de alguma coisa - afinal ele reclama de tudo. Mas reclamar de quê no meio da noite?
Vou ao local onde fica o telefone - pelo menos deveria ficar -, mas ele não estava na base. Mais uma vez os meninos usaram o telefone e deixaram em outro lugar. E continua tocando. Tateando as paredes vou até à sala, pois era de lá que vinha o som. E lá estava ele acendendo a luzinha vermelha e tocando alto. Alô, digo logo ao atender. Do outro lado, uma voz masculina pergunta: É você Lúcia? Por que demorou pra atender?
Tinha uma voz de bêbado o interlocutor. Começou a falar alto, brigando com a coitada da Lúcia. Quando surgiu um intervalo também gritei: O senhor ligou errado. Aqui não mora nenhuma Lúcia. Desliguei. Mas em seguida ele ligou de novo. Não consegui entender como é que uma pessoa embriagada consegue discar duas vezes o mesmo número errado. Vi então pelo visor do telefone a resposta para a minha dúvida insignificante depois do susto no meio da noite. O número que aparecia na Bina era de um celular. Ele discou errado uma vez e rediscou uma, duas, três vezes. Na segunda vez já havia acordado o resto da família. O jeito foi desligar o cabo do telefone.
Voltar a dormir? Tentei. Mas ainda estava com a adrenalina a mil. Já passava das 4 horas quando desisti de dormir e resolvi descrever esta minha madrugada.

03 junho 2013

O tempo

Olhava fixamente para o relógio para não perder o movimento do ponteiro dos segundos. E começava a contar os segundos, de cinco em cinco, confirmando a cada quinta batida se a haste coincidia com o pontinho do mostrador do relógio. Ficava assim por alguns minutos, vendo o tempo passar. Tinha satisfação nessa atitude, pois se sentia senhora do tempo, com consciência plena de que realmente estava vendo o tempo passar, materializado naquele bater ritmado do ponteiro dos segundos.
O que é o tempo? Pensava nisso sempre que começava a contar os cinco segundos depois de outros tantos cinco segundos. E respondia para si mesma: o tempo é uma sucessão de cinco segundos. O tempo não é nada se os relógios não existirem. O tempo não é o relógio. Pensava tanto que acabava perdendo a contagem dos cinco segundos. Deixava então o ponteiro coincidir com um dos pontinhos do mostrador e reiniciava a contagem.
Às vezes ficava com raiva de suas manias; desta mania especificamente. Para que contar os segundos? Levantava de onde estava e deitava o relógio, mostrador contra o tampo da mesa. Mas, já no ritmo dos ponteiros, começava a contar de cinco em cinco só de ouvir as batidas. Nada mais adiantava, pensou quando de noite, no escuro, olhos buscando faíscas no breu, imaginava um enorme relógio suspenso acima da cama, com ponteiros luminosos. Pensava no relógio que marcava a passagem do tempo na história do Ziraldo “O Menino Maluquinho”, e se embalava naquele mostrador, como se fosse um balanço gigante. Balanço ritmado, tic-tac para cada lado, norte, sul, leste, oeste, pra cima, pra baixo, de um lado pro outro interminavelmente.
De manhã, acordava cansada, com o tempo passado estampado em seus olhos avermelhados, nas pupilas dilatadas, na musculatura adormecida. Sentia-se como se tivesse vivido dez anos durante uma única noite. E a cada noite sentia-se mais velha, como se o tempo estivesse pesando sobre seus ombros. Quando se olhava no espelho chegava a se enxergar envelhecida, pele enrugada, olhos caídos e inchados. E do lado o infindável tic-tac a comandar-lhe os movimentos, a lhe tomar o tempo, a lhe roubar a juventude a cada segundo. (03-06-2010)